22 de janeiro de 2009

No hospital

Hospital de grandes dimensões, Lisboa, serviço de Obstetrícia. Um dia como outro qualquer. Uma estudante de medicina a cumprir a ronda, a aprender, a tirar notas, a ouvir os mestres, a ver se é nestas águas que quer navegar nos próximos 30 anos.

Médicas a percorrem os corredores. «Mas ninguém quer epidural?? Ando para aqui a vender isto e ninguém quer…», atira uma delas para o ar. Parturientes indecisas. Por enquanto, as dores estão mais ou menos controladas.
A médica a insistir: «Não quer mesmo a epidural? Olhe que eu já passei por isto, sei bem o que é.»
«Bem, a doutora é que sabe o que é melhor…», dirá a mulher em trabalho de parto.

Num dos monitores de CTG, surge um traçado estranho. Alguém nota e grita lá para o outro lado: «Ó Manel anda cá ver isto!». Ligada a este monitor está uma mulher em trabalho de parto. Está com dores. Agora ficou assustada. Pergunta o que se passa. Ninguém lhe responde. A estudante de medicina sente-se tentada a dizer à chefe que talvez fosse melhor falar com a mulher. Mas acaba por não dizer nada, não tem qualquer liberdade para o fazer. Não é ninguém ali, não pode dizer nada.

A mulher pergunta novamente. «O que é que se passa?» Dizem-lhe que tem de ir fazer uma ecografia. Para ir, é no piso de cima. «Depois dizemos-lhe o que se passa consigo, vá, vá.»
A mulher tem dores. Mas vai ao piso de cima. Sozinha. É então que começa a chorar.

Faz o exame, volta ao bloco de partos. Continua com dores, continua a chorar. Nada de grave se passa, mas ela continua a chorar. A estudante de medicina ganha coragem e diz à chefe que talvez fosse melhor falar com a mulher e explicar-lhe o que se passa com ela. A médica responsável pelo caso repara então que a parturiente chora. «Não fique assim, está a chorar porquê, há coisas bem piores, vá lá…».

Não sei se estas palavras terão consolado aquela mulher. Duvido. Dói-me só de a imaginar, sozinha num hospital, em trabalho de parto, a ir ao piso de cima fazer uma ecografia.

Isto aconteceu um dia destes num hospital de grandes dimensões, em Lisboa. Grandes dimensões, mesmo. Um hospital que salva vidas, que cura doenças graves, que faz transplantes, que faz milagres, maravilhosos milagres.

Mas que se esquece das mulheres.


P.S: Faltam três semanas para a estudante de medicina que relatou este episódio acabar o estágio no serviço de Obstetrícia. E ela mal pode esperar.

1 comentário:

Patrícia disse...

O pior é que não será só nesse hospital de grandes dimensões que estas coisas se passam. E assim será enquanto as mulheres não exigirem respeito e continuarem a dizer «a doutora é que sabe o que é melhor...». Sim, a doutora e os doutores nem sempre sabem o que é melhor para cada mulher.