E quem disser o contrário nunca se viu de noite, a chover, na Graça, sozinho, numa rua muito estreita, com um pneu furado. Num carro que não conhece e que – cereja das cerejas - tem um sistema de muda-pneus totalmente inimigo do condutor. Quem disser o contrário nunca se viu numa situação destas. E chovia. E eu estava de saia.
Pois, já me esquecia de dizer, sou mulher…
Mas começando pelo principio. Não sei se já vos disse, mas estava a chover. E eu andava pela Graça, esse paraíso de ruas largas e planas. A dada altura, o carro, que é muito inteligente, avisou-me de que havia um pneu furado, que levantasse o rabo do banco e o fosse trocar. Entrei em negação, claro está, e depois conformei-me. Primeira coisa a fazer: ligar ao Alex (controlando sempre as lágrimas). Não estava por perto. Segunda coisa a fazer: dizer muitas asneiras e deixar cair uma ou outra lágrima. Terceira coisa a fazer (mas que não fiz): ligar à mãe, pedir carinhos e desabafar porquê a mim, porquê a mim? Quarta coisa a fazer: ligar para a assistência em viagem. Que não podiam fazer nada, os furos não estão cobertos pelo seguro, «mas posso pôr o nosso técnico a falar consigo para lhe explicar como é que se faz», em último caso, «mandamos alguém, mas vai ter de pagar». Quinta coisa a fazer (depois de ir ao porta-bagagens tentar tirar o pneu sobresselente e ficar a olhar para o engenho que liberta o dito como um burro olha para um palácio – e burro, neste caso, não é uma palavra descabida): telefonar à Rosa. «Vou já ligar ao x e ao y. Não te preocupes, que tudo se resolve.» Sexta coisa a fazer: ficar à espera, sentir alívio, pensar com carinho na Rosa. Sétima coisa a fazer: perceber que o x e o y estão lá longe e que a assistência em viagem (que entretanto ficou de ligar) se esqueceu do nosso drama; ouvir a Rosa dizer «vou já ter contigo e levo o Pedro, ele é homem, ele sabe». Oitava coisa a fazer: ouvir uma música da Billie no carro e pensar não vou conseguir ver o 24. Nona coisa a fazer: ver o Pedro torcer o nariz perante aquele bonito espectáculo, «já tive um furo com este carro e foi uma chatice.» Décima coisa a fazer: perceber que o Pedro diz sempre a verdade. Décima primeira coisa a fazer: tentar, de todas as formas e feitios, tirar o puto do pneu furado do carro e perceber que tal não é possível porque a desgraçada da chave que faz não sei o quê aos parafusos está toda lixada, reparar que já é muito, mas mesmo muito tarde. Décima segunda coisa a fazer: telefonar outra vez para a assistência em viagem e implorar. Décima terceira coisa a fazer: ver o senhor do reboque chegar, sacar de um macaco hidráulico, de uma chave em cruz e de umas luvas, e mudar o pneu num fósforo. Décima quarta coisa a fazer: dizer-lhe que a chave não funcionava bem, tentar de todas as formas e feitios salvar a honra. Décima quinta coisa a fazer: ver o senhor do reboque a olhar para nós como se fôssemos uns betinhos que não gostam de sujar as mãos. Décima sexta coisa a fazer: tentar guardar o pneu furado e perceber que há engenheiros do ramo automóvel que devem ter tirado o curso nos Barbados. Décima sétima coisa a fazer: abraçar a Rosa e o Pedro e dizer-lhes que eles são mesmo à maneira.
Sim, já mudei pneus na vida. Não, não acho que seja impossível. Desde que não esteja sozinha. É tão simples como isso. Os pneus são pesados e os parafusos são difíceis de soltar, tá? E o próximo homem que me disser «pois, as mulheres…», digo-lhe «tu sabes mudar pneus, boa, pá, parabéns!, eu consigo fazer crescer um ser humano dentro de mim e pô-lo cá fora». Sem macaco.
Mas houve uma coisa mesmo boa no meio disto tudo. A Rosa (que tinha um avião para apanhar às sete da manhã) e o Pedro (que ficou todo sujo). Uns fixes. Não me vou esquecer.
P.S: Fazendo justiça ao Alex, que também é um miúdo catita: parece que ficou à espera que eu lhe respondesse a uma mensagem. Que iria ter comigo, mesmo vindo de longe, e «mudava-te isso num instante».
29 de janeiro de 2009
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9 comentários:
Isso foi quase emoção ao nível do 24 que não viste!
Ah! E se tivesses ligado aqui à je, eu arranjava-te um macaco para ir lá ajudar-te, de certeza.
a verdade é que tiveste uma Rosa que te salvou. E o amigo. A verdade é que nem toda a gente encontraria amigos que numa noite escura de inverno, a chover como o o raio e a pouco tempo de começar o 24, saíssem do quentinho e da manta do sofá para ajudar um amigo em apuros. No fundo, no fundo tens sorte. Podes continuar a furar pneus com a certeza de há sempre um macaco à mão.
Uma palma para ti.
grande aventura! valeu um episódio bonito onde a amizade imperou. eu sou homem e uma vez também só mudei o pneu com ajuda do senhor da Brisa. tinha os parafusos calcinados e foi preciso um produto qualquer. 15 dias depois tive outro mas esse demorou 5 minutos a trocar.
e não te rales com o 24. que temporada é? eu vou arranjar. também quero para mim. só tens de arranjar um computador para ver...
Rosa e Pedro rules! E eu só lhe telefonei para perguntar a quem é que devia telefonar...
p.s: Se eu fosse o Jack Bauer nada disto tinha acontecido.
Cof, cof, cof! Eu já mudei um pneu sozinha. Meia noite, Alcochete, Renault 5. Já não se fazem carros como antigamente :)
Aí é que está, Rita. Antes era tudo mais fácil. Quando os carros não tinham jantes especiais, nem pneus debaixo do carro, nem parafusos xpto, nem nada. Era tudo mais simples. Eu também já mudei pneus desses. Bons velhos tempos. Agora é preciso uma licenciatura em engenharia.
Imbecis...
parece a estoria do meu furo no meio da ponte 25 de abril. tirando q um anjo caido do ceu apareceu num reboque p me tirar dali isto pq estava mm a empatar o transito e o big brother tem camaras pela ponte toda p evitar estes dramas! foi ele q m desaparafusou aquelas rolhs agarradas aos pneus senao ainda la estava hj aos saltos em cima daquele instrumento q nem sei cm se chama!
Peg, é isso aí. Abaixo os furos! Vivam os anjos da guarda!
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